Um músico não consegue ser apenas um músico
- Ana Neves
- 18 de dez. de 2018
- 4 min de leitura

Miguel Campos, de 19 anos, é estudante de Farmácia na Escola Superior de Tecnologia da Saúde de Coimbra e saxofonista/cantor da banda de jazz vintage “Cottas Club”. Começou a estudar música aos 11 anos e desde então que corre os palcos portugueses e internacionais.
Ana: Como te iniciaste no mundo da música?
Miguel: Tudo começou como uma brincadeira quando era miúdo, mais precisamente quando soube da existência da banda filarmónica da minha terra, o Bombarral. Como os meus avós eram associados do Círculo de Cultura Musical Bombarralense, a colectividade musical da minha zona, fomos falar com um saxofonista, pois o saxofone era o instrumento que mais me fascinava, com o qual eu me sentia mais relacionado. Entrei na banda aos 11 anos e fiz todo o percurso musical inicial, desde o solfejo, (em tom de desabafo) que é uma coisa que hoje em dia os novos músicos já não sabem o que é, formação musical e, por fim, o instrumento em si.

A: O que te moveu para entrar na banda “Cottas Club”?
M: Eu estou nos Cottas desde 2012. Este meu gosto pelo jazz surgiu cedo, pois lembro-me de ouvir desde pequeno este estilo de música, tocar, sentir e improvisar sobre ele. A meio do meu percurso filarmónico decidi desligar-me da música clássica e virar-me para a onda do jazz, onde tive o professor João Capinha a apoiar-me, chegando a fazer vários cursos e workshops nesta área. A minha primeira experiência com os Cottas foi então em 2012, eles convidaram-me para fazer uma atuação num evento privado. Aceitei e desde então que sou membro oficial da banda.
A: Para quem não conhece o projeto, explica-nos como é ele nasceu e no que consiste.
M: Os Cottas, para quem não sabe, é uma banda de dixieland, ou seja, uma banda de jazz “vintage” dos anos 20, que surgiu no Círculo de Cultura Musical Bombarralense e era formada por músicos filarmónicos amadores que decidiram iniciar-se no mundo do jazz. A banda comemorou 15 anos em setembro de 2018.
A: O que é que este projeto já te proporcionou na tua vida profissional e pessoal?
M: A nível profissional, os Cottas proporcionaram-me internacionalizações, sendo que representei Portugal no maior festival de jazz tradicional da Europa, onde, todos os anos, se juntam inúmeras bandas para participar no Festival Internacional de Dixieland em Dresden, na Alemanha. Posso afirmar que foi uma sensação incrível sentir na pele a bandeira portuguesa lá fora. Infelizmente os portugueses e até o Ministério da Cultura pensam que apenas o futebol é que representa o nosso país no estrangeiro, mas não é bem assim. Também já fui ao Dubai, em 2016, para representar Portugal no 41º Festival da Criação dos Emirados Árabes Unidos. A nível pessoal, a banda proporcionou-me muitas alegrias, tristezas, chatices e muito trabalho, mas também me trouxe crescimento, pois quando eu entrei para a banda era ainda uma criança e tive de crescer muito rápido para acompanhar o pensamento dos restantes membros, que já tinham 30/40/50 anos.

A: Sendo tu um homem das artes, qual é a tua opinião sobre o mundo da música hoje em dia?
M: Sobre esse assunto podíamos ficar aqui horas e horas a falar que não chegaríamos a nenhuma conclusão. Infelizmente os nossos políticos não demostram que se preocupam com a cultura, pois os orçamentos de estado para esta área são cada vez menores. Em Portugal, ao falamos do Hot Club, que é o bar de jazz mais antigo da Europa, quase ninguém sabe no que consiste e no que representa para a música. Relativamente a nomes de músicos portugueses reconhecidos pela população, os mais conhecidos são os Xutos e Pontapés, e são esquecidos músicos como Rúben da Luz, Carlos Barreto e Sérgio Carolino, que inclusive é patrocinado pela Yamaha, uma empresa produtora de instrumentos musicais bastante conceituada mundialmente. Bandas de rock portuguesas como Linda Martini e Legendary Tigerman também são frequentemente esquecidas e são formadas por músicos incríveis.
A: Qual é a tua opinião sobre a afirmação “um músico não consegue ser apenas um músico”?
M: Normalmente um músico tem de ter sempre uma outra profissão para complementar a sua vida artista, como por exemplo ser professor. Isto é triste e revolta-me bastante porque um artista não consegue viver apenas como um artista que é, mas um bancário consegue viver apenas da sua profissão porque ao final do mês o dinheiro que vai receber é certo. Apesar de um músico ter sempre trabalho, este não é bem remunerado e tem de andar sempre de cidade em cidade, isto é, hoje pode ter um concerto em Lisboa e amanhã já tem outro em Braga.
A: Tendo em conta que és estudante de Farmácia, como é que conjugas as tuas duas vidas?

M: No primeiro ano da licenciatura conciliava tudo muito bem porque era tudo menos exigente e menos trabalhoso que no segundo ano. Agora que estou no segundo ano tive de aprender a gerir melhor o meu tempo, pois não posso sair do projeto dos Cottas porque é ele que me paga as propinas e tenho de dispensar mais tempo para me dedicar ao curso.
A: Quais são os teus sonhos e objetivos? Tanto no mundo na música, como no mundo da Farmácia?
M: Em Portugal, a música e a farmácia estão mais ao menos ao mesmo nível. Eu estou a estudar para ser técnico de farmácia, mas a opção de ser professor universitário não está excluída. Em relação à música, eu gostava de estar a correr palcos pelo país fora com uma banda de jazz, pois foi aquilo que eu sempre fiz e gostei de fazer.
A: Arrependes-te de ter estudado música ou de ter escolhido estudar Farmácia em Coimbra?
M: Eu não digo que me arrependo de ter escolhido farmácia, até porque estou a gostar bastante do curso e vejo-me a fazer vida nisto, mas se tivesse pensado melhor e se tivesse feito outras escolhas, eu não estaria agora em farmácia e, quem sabe, em música também não. Se calhar estaria numa área mais virada para a parte social, como antropologia, ciências sociais, ciências da música aplicada que é uma fusão de música com ciências sociais.
Fotografia: Bernardo Nalha e Facebook oficial dos "Cottas Club Jazz Band"
Por: Ana Neves
Commentaires