“Eu sou uma romântica do Jornalismo”
- Catarina Vale
- 6 de jan. de 2019
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O jornalismo foi uma espécie de amor primeiro para Susana Borges, mas o gosto pelo o conhecimento e a vontade de querer saber mais levou-a para a investigação. Atualmente é professora na Escola Superior de Educação de Coimbra na área da Comunicação.
Qual é a sua formação académica?
Sou licenciada em Comunicação Social e doutorada em Ciências da Comunicação creio que é o mais importante.
Profissionalmente, como foi o seu percurso?
Bom, fui jornalista entre 1995 e 2002, de seguida, fiz assessoria de imprensa durante 4 anos e em 2006 concorri a uma bolsa para a Fundação Ciência e Tecnologia para fazer o meu doutoramento e, portanto, na altura despedi-me e dediquei-me à investigação.
Quando é que descobriu o gosto pelo jornalismo?
É muito engraçado, eu nunca achei que o jornalismo fosse uma profissão, isto é, quando estava a crescer achava que iria ser qualquer coisa, química, bióloga outra coisa assim, eu tinha muito contacto com o jornalismo, no sentido em que na minha casa sempre houve muitos jornais, era habitual por exemplo ao sábado dividir-mos as partes do expresso entre os pais e os filhos, íamos rodando entre nós e lia-mos em conjunto, portanto para mim o jornalismo sempre foi algo que eu convivi, que achava importante, mas que nunca me tinha ocorrido que pudesse ser uma profissão.
Quando eu concorro pela primeira vez à universidade, exatamente a química na universidade de Aveiro, entro e no final do primeiro ano/inicio do segundo ano eu comecei a ficar muito desagradada, a achar que não me apetecia trabalhar em laboratório o dia inteiro, havia outras coisas que me interessavam, mas depois fiquei um bocadinho perdida sem saber o que fazer porque tinha feito o caminho tão direcionado e portanto fazia todo o sentido o meu percurso até então, que não sabia muito bem o que queria em alternativa, o que é que gostaria mesmo e então fiz várias sessões de orientação de carreira
e uma das indicações ou orientações, das áreas para as quais eu tinha muito gosto e apetência que foi identificado, uma delas foi o jornalismo entre outras. Eu fiquei tão (boquiaberta) surpreendida, mas ao mesmo tempo parecia-me algo tão interessante também que o que eu fiz foi, ainda antes de tirar o curso de Comunicação Social porque, estava cheia de medo se me ia meter noutro curso que depois também não gostava e como eu não queria isso, fui pedindo estágios aqui e ali aos órgãos mais próximos, porque queria experimentar antes de me inscrever para ver se era mesmo aquilo que eu gostava.
E aceitaram o estágio sem formação na área?
Aceitavam, na altura sim aceitavam, até suponho que ainda hoje aceitem, mas na altura então, isto foi em 1995, havia muita gente a entrar na profissão sem ter propriamente formação no jornalismo, é uma profissão aberta, ainda hoje não é exigido a um jornalista que tenha uma licenciatura em jornalismo ou em comunicação, mas a não ser que tenha havido alguma alteração, eu creio que de acordo com o que estava em vigor em 1999, os jornalistas continuavam a aceder à profissão com o 12º salvo erro, portanto tinham é de fazer o período de estágio prolongado digamos assim, acompanhado pela instituição onde estavam a estagiar/trabalhar como título de estagiário e só depois é que era concedido o titulo de profissional de jornalista. Os alunos que vinham de jornalismo e de comunicação o tempo de estágio era mais reduzido exatamente porque já tinham formação na área, mas esta lei é de 1999 salvo erro e eu não quero estar a dizer asneiras, porque como digo, tenho estado um bocadinho afastada da legislação em relação a essa matéria, mas quando eu entrei em 1995 a situação era caótica, porque nessa altura nem sequer havia ninguém a passar a carteira de jornalista, isto é, eu entrei numa altura em que houve um período de transição, estava tudo parado a reformular o sistema e só passado uns tempo é que eu então pude pedir o meu titulo de estagiária.
O que aconteceu foi, eu falei em um ou dois órgãos e depois aconteceu uma coisa muito curiosa que foi, houve uma vaga no público em Aveiro porque houve um jornalista que saiu e o coordenador da delegação, já tinha feito a entrega do meu currículo porque o público fazia muitos estágios, às vezes no verão no Porto, mais nesse sentido. Como estava em Aveiro, no verão vou la ver como é que a coisa corre enfim, era um bocado essa a minha perspetiva, só que entretanto surgiu essa vaga e a pessoa de Aveiro é que tinha o meu currículo, telefonou-me e depois disse-me assim “ah eu podia buscar uma pessoa com experiência, mas as pessoas que têm experiencia também já têm vícios. No teu caso tu pediste, não sabes nada olha vamos ver o que é que dá”, pronto, foi a porta de entrada.
Em que sítios trabalhou e quais eram os seus cargos?
Eu fiz o jornalismo todo em Aveiro digamos assim do ponto de vista de localização geográfica, independentemente de fazer serviços de dimensão nacional ou local enfim. O que acontece muito nas delegações, é que os jornalistas são por norma generalistas, isto é, como não estamos colocados numa editoria especifica, a cobertura é regional tanto fazemos ciência, como politica, como enfim outra coisa qualquer, portanto eu fiz um bocado de tudo basicamente, acho que a única coisa, a única área que eu nunca trabalhei foi desporto, por embirração minha claro, porque foi-me dado possibilidade de trabalhar nessa área.
Trabalhou sempre no mesmo órgão de comunicação e manteve o mesmo cargo?
Não, é fácil eu fui jornalista numa altura em que já havia problemas de precariedade, mas havia trabalho, eu fiz quase o meu percurso todo de convite em convite que é outro privilégio não é, portanto eu estive no público durante dois anos de 1995 a 1997.
Em 1997 é quando avança o processo de regionalização que depois acabou por terminar e houve um jornal aqui de Coimbra, os diário das beiras até pelo próprio nome não é, espalhou-se e criou delegações em vários sítios nomeadamente em Aveiro e na altura convidaram-me e eu “ahh, não, não posso, estou aqui no público e tal” e por outro lado pensei “ah isto era interessante, assim falávamos uns com os outros, estamos sempre de costas voltadas Aveiro e Coimbra é aquela coisa que parece que estão sempre a competir” – não sei explicar bem – era um bocado a ideia que eu tinha, depois ainda pensei em ficar com os dois em simultâneo, mas depois considerei que seria um bocado difícil a acumulação e optei por sair do público e ir para o diário das beiras em Aveiro, isto em 1997 e fiquei lá até 2000, (quando saio, eu era responsável da redação) é assim havia um responsável oficial pela delegação de Aveiro do diário das beiras, embora eu tenha estado la sozinha, mas a minha função era oficialmente jornalista, depois sou convidada, (ah depois pelo caminho tive alguns convites que consegui acumular) por exemplo, eu fui convidada pela agência lusa para começar a fazer uma cobertura, uma linha noticiosa nova que tinha sido aberta que era uma linha de ciência e tecnologia e eu conseguias fazer esses trabalhos em paralelo com o meu trabalho no jornal, portanto eu comecei a ter também esse trabalho da agência lusa que começou na ciência e tecnologia que depois foi-se alargando quando era preciso e eu ia fazer outros trabalhos.
Portanto quando saio do diário das beiras sou convidada para laçar um semanário que se chamava mesmo “O Aveiro” um órgão bastante antigo e a ideia era relançar o projeto, muito mais moderno, mais adequado aos tempos de então. Eu fui na qualidade de chefe de redação estive lá não muito tempo, porque foi um projeto que depois correu de uma forma um pouco complicada, havia vários acionistas portanto aquilo não era muito fácil de lidar e eu optei por me vir embora e, entretanto, creio que ainda no Aveiro, sim, o expresso convidou-me também para eu colaborar com eles, portanto fazer os trabalhos de Aveiro que eram necessários e outros.
Entretanto deixei a lusa porque já era muita coisa e entrei mais na onda de semanário do que mais propriamente de agência diária, mudei um bocado a minha visão, as formas de trabalhar, as rotinas foi completamente diferente, eu confesso que prefiro sempre a rotina do diário, as 24 horas, do digital, do momento sempre, sobretudo se não tiver dinheiro para poder ter tempo para fazer o que quero em termos de profundidade, jornalismo mais de profundidade, se eu não tiver esses meios aí sim compensa estar num semanário ou uma coisa assim que tenha uma periocidade não tão violenta do ponto de vista que a gente tem de apresentar objetivamente ali algo, mas para isso também é preciso que o órgão tenha dinheiro para nos disponibilizar para nós podermos fazer esses trabalhos, portanto nesse sentido, tendo esse dinheiro gosto de fazer, não tendo esse dinheiro, tendo mais para a rapidez, gosto muito do trabalho em agência.
Por volta desta altura tinha largado a agência, estava só com a chefia da redação do Aveiro e estava com o expresso. Em 2002, por vários motivos pessoais, profissionais e outros decidi mesmo suspender a atividade do jornalismo, não era propriamente algo indefinido, mas era algo que queria interromper e fui fazer acessória de imprensa durante 4 anos o que significa que em 2006 tive a bolsa para o doutoramento já não voltei ao jornalismo, deixei a acessória e fui fazer o doutoramento e a partir daí tenho estado a dar aulas e a investigar. Fiz aquela suspensão, mas nunca fui lá buscar a carteira outra vez.
Então enquanto estava no público, no expresso, nas beiras e na agência lusa esteve a tirar a licenciatura em simultâneo?
Não, eu tiro a licenciatura entre 2001 e 2005 (muito depois).
Então foi nos anos da acessória?
Sim praticamente, exatamente. (ah eu tive pelo caminho, peço desculpa esqueci-me de dizer), depois do Aveiro eu ainda estive no JN, pronto e, portanto, eu quando comecei a estudar aqui estava no JN.
Tirou o curso na ESEC?
Sim, eu vinha todos os dias, fiz o curso sempre a trabalhar, vinha às aulas de manhã, à tarde nem sempre porque tinha de ir trabalhar e foi assim durante 4 anos.
Qual é a diferença entre o jornalismo e a assessoria?
Para começar, em Portugal são atividades incompatíveis entre si, ou seja, ou somos jornalistas ou somos assessores de imprensa não é muito difícil de compreender, se pensar que o jornalista trabalha para o público, informá-lo de assuntos de interesse público enfim caracterizando assim muito amplamente a profissão de jornalista, é evidente que o jornalista não se pode estar a comprometer com o público e ao mesmo tempo estar a promover os interesses particulares de uma determinada organização, não quer dizer que esses interesses sejam maus ou sejam ilegítimos, não! Não vou adjetivar positiva ou negativamente, o que eu quero dizer é, são tarefas diferentes que têm determinados compromissos que também são diferentes portanto juntar os dois é como ser assessor numa câmara e depois escrever uma noticia sobre a câmara, enfim há aqui uma dimensão por um lado de interesse público e por outro, tornar interesses particulares mais visíveis que são naturalmente incompatíveis por lei daí eu ter dito já algumas vezes que entreguei a carteira de acordo com a lei porque fui fazer a assessoria e não a fui ainda buscar porque não voltei ao jornalismo, só por isso, mas choro amargamente porque tenho saudades da carteira porque identifico-me mais é com o jornalismo.
Como surge a oportunidade de ensinar tudo o que aprendeu?
Eu quando tirei a licenciatura, foi já numa altura complicada, porque quando começamos a trabalhar, temos alguns compromissos e ainda mais quando vimos estudar para fora, mas eu fiz uma opção porque eu estava cansada da prática de jornalismo e sentia necessidade de pensar sobre o assunto, é mesmo uma coisa que eu não tenho explicação para lhe dar de outro modo, era isso, eu precisava de sentir necessidade de refletir, de aprender porque as práticas levantavam muitas questões, daí ter ido estudar primeiro a licenciatura e depois de terminar, ao fim de seis meses precisava de mais, de perceber
mais, de investigar mais, de aprender mais, de ler mais, daí essa decisão de fazer o doutoramento. É interessante poder partilhar o que aprendemos com pessoas que estão aprender, portanto nesse sentido é quase como se fosse uma espécie de colega mais velha que já está cá mais alguns anos, que ensina o que pode, mas também que aprende um bocadinho.
Teve de tirar alguma formação para lecionar?
Eu quando comecei a lecionar só tinha a licenciatura, o doutoramento só foi exigido a partir de determinado momento porque em 2010 houve uma alteração da carreira docente, mas eu já estava a fazer o doutoramento (por isso é que estava a explicar que era importante fazê-lo em termos de aprendizagem) sem ter trabalho algum como professora, ou seja, eu não fui fazer o doutoramento porque era obrigada para ter um lugar garantido, não, eu fui fazer o doutoramento porque me interessava conhecer, aprender, investigar mais e depois quando estava a fazê-lo fui convidada para dar aulas, portanto foi um bocadinho o percurso assim.
Foi a partir de que ano que começou a dar aulas?
Eu comecei o doutoramento em 2007/2008.
Atualmente leciona que disciplinas?
Este semestre estou a lecionar ao 1º ano de Comunicação Social teorias da comunicação, atelier de análise dos média, ao 3ºano também de Comunicação Social dou aos dois ramos, dou técnicas de jornalismo radiofónico ao ramo 1 (jornalismo de imprensa e informação) e depois ao 2º ramo (produção e criação de conteúdos dos novos media) dou a cadeira de atelier de media interativos. No segundo semestre vou dar jornalismo televisivo, história dos média, pós-produção de vídeo e atelier de jornalismo radiofónico também em ambos os ramos e tudo no 2ºano. Estou a dar a comunicação no curso de comunicação organizacional e já dei a turismo, portanto desde que sejam disciplinas da área da comunicação, eu jogo um bocadinho para áreas diferentes.
Como era conciliar a vida profissional com a pessoal? Tanto em jornalismo como assessoria
Em geral, privilegiei sempre a vida profissional de algum modo mais ou menos justo, mais ou menos injusto para mim ou para outros, mas por outro lado também tive uma grande facilidade, portanto quer o meu ex-marido, o facto de não ter filhos e etc., que foram opções que também foram tomadas por diversos motivos e nomeadamente a carreira, propiciaram-me liberdade e tempo para eu poder gastar nestas diversas coisas que ia fazendo e foi uma opção minha. Nos anos do doutoramento, eu optei por estar ali fechadinha em casa, dar as aulas e não via ninguém, não falava com ninguém porque eu precisava de me concentrar para conseguir escrever e para pensar, são opções, para mim naquele momento foi importante e foi preciso.
Qual é o maior desafio entre ambas as profissões, jornalista, assessora e professora?
São todas diferentes, o jornalismo é uma espécie de amor primeiro sempre, talvez o que tivesse menos desafios fosse a assessoria. No jornalismo sempre tive a sorte de ser livre em relação aos assuntos que tratava, nunca fui propriamente obrigada a fazer isto ou aquilo, portanto tive bastante liberdade ao exercer a profissão. Em relação às aulas é depende dos anos, mas a investigação é sempre mais interessante
Quais são para si, os ideais do jornalismo?
Eu sou uma romântica do jornalismo. Por mais que o jornalismo hoje seja mais orientado por questões de poder, de dinheiro, o jornalismo atualmente está indigente praticamente, a qualidade é péssima e isso é algo que me preocupa como cidadã até, a questão da informação é um direito fundamental do ser humano e é muito importante. Portanto eu tenho assim esta visão um bocadinho do jornalista como funcionário da humanidade, o jornalismo pode estar mau, mas não é mau, é algo bom e fundamental.
No ponto de vista profissional, tem alguma área que gostava de fazer?
Eu para já gostava de ter mais tempo para fazer investigação na qual não tenho, a subcarga de horário é tão grande que é impossível. O professor tem de estar sempre a atualizar-se na aprendizagem, é fundamental para ensinar os alunos e para si próprio. A investigação neste momento é o meu interesse porque é o que me responde às minhas inquietações, a minha satisfação. Eu até hoje ainda não senti necessidade de deixar o ensino para ir só para a investigação.
Um conselho para os futuros jornalistas, para os seus alunos no ponto de vista do jornalismo?
A qualidade e a honestidade compensam, creio eu, pelo menos a qualidade, temos de aprender com os erros que cometemos. Aplicar no jornalismo implica criar conhecimentos, cultivar as suas fontes etc., um bom jornalista é quase como um bom professor não é, demora anos a criar, temos muito que fazer.
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